A importância de repensar a avaliação de ativos intangíveis na era pós-industrial
A importância de repensar a avaliação de ativos intangíveis na era pós-industrial
Hoje, em vez de se debater novos investimentos no meio jurídico e acadêmico, a pauta dominante envolve conflitos societários, principalmente a discussão sobre o valor a ser pago ao sócio que se retira, falece ou é excluído da empresa.
Na estrutura das sociedades anônimas, a Lei nº 6.404, mesmo prestes a completar 50 anos, ainda serve de base legal. No entanto, esse tipo de sociedade representa apenas cerca de 2% das mais de 7 milhões de empresas registradas no país — segundo dados do Departamento Nacional de Registro Empresarial (Drei). A grande maioria é formada por sociedades limitadas.
O Código Civil não trata bem a questão da apuração de haveres dos sócios nessas sociedades, e o Código de Processo Civil tentou, com êxito parcial, trazer mais clareza ao tema, ainda que sem linguagem ideal. Como as sociedades limitadas são, em essência, sociedades de pessoas, é nelas que os conflitos sobre a avaliação da participação dos sócios ocorrem com mais frequência — embora também aconteçam nas sociedades anônimas fechadas.
Ambos os códigos determinam que, na ausência de cláusula contratual específica, o cálculo dos haveres seja feito com base em um balanço “especialmente levantado”, que, segundo o CPC, deve refletir o “valor de saída”. A teoria parece simples: atualizar o valor de aquisição de um ativo para o seu valor de mercado. Isso funcionava bem quando os ativos eram majoritariamente físicos, como imóveis e máquinas. Mas hoje a realidade é bem diferente.
Considere, por exemplo, uma companhia aérea organizada como sociedade limitada. Seus aviões podem ser alugados, os espaços nos aeroportos são concessionados, e as autorizações de voo são concedidas pelo governo. Tudo isso raramente aparece nas demonstrações contábeis como ativo real. O mesmo vale para marcas criadas internamente por empresas de refrigerantes, calçados ou cervejas — não têm valor contábil registrado, embora representem grande parte do patrimônio da empresa. Como atribuir um “valor de saída” a algo que nunca teve um “valor de entrada”?
No caso das marcas, há resistência em usar o método do fluxo de caixa descontado (DCF), por entenderem que isso permitiria ao sócio retirante obter lucros futuros sem assumir os riscos correspondentes. Esse argumento é frágil, especialmente quando se trata de falecimento. Além disso, ignorar o valor que o sócio ajudou a construir — como a reputação ou marca da empresa — é desconsiderar um esforço conjunto e um ativo essencial para o negócio.
Mesmo sem recorrer ao DCF, pode-se calcular o valor de mercado das marcas por métodos como o royalty-free approach, que estima quanto a empresa economiza por não precisar pagar royalties ao usar marcas próprias. No fim, esse cálculo chega a valores muito próximos do DCF, desafiando a lógica de quem tenta excluir totalmente os ativos intangíveis.
Há, inclusive, um precedente no campo contábil e fiscal: nas fusões e aquisições, é comum separar os valores dos ativos intangíveis (como marcas) e deixar o chamado goodwill (fundo de comércio) como um valor residual. Empresas, auditores e até o fisco reconhecem essa prática, mas, paradoxalmente, a jurisprudência rejeita essa mesma lógica quando se trata da saída de um sócio.
Se insistirmos em não valorizar marcas internas, ficamos com o absurdo de considerar que grandes empresas internacionais com marcas fortes e sem fábricas ou estoques praticamente não valem nada — um cenário inverossímil.
Por fim, a Constituição assegura que ninguém pode ser obrigado a permanecer associado. Mas, se a saída de um sócio implica perder o valor que ele ajudou a criar — especialmente os ativos intangíveis — essa garantia perde sentido. É urgente que a doutrina e os tribunais reconheçam a realidade da nova economia, em que os ativos intangíveis são o verdadeiro motor do valor das empresas. A mesma lógica já aplicada em contextos fiscais e contábeis precisa ser estendida às disputas societárias, com mais justiça e coerência.