Cooperativas de Crédito e sua Relação com a Recuperação Judicial
Cooperativas de Crédito e sua Relação com a Recuperação Judicial
O agronegócio brasileiro passou por uma profunda modernização nas últimas décadas, tornando-se um dos principais pilares da economia nacional. Com isso, cresceu também a necessidade de acesso ao crédito para viabilizar a produção, modernizar a infraestrutura e incentivar a inovação no setor.
Nesse contexto, as cooperativas de crédito se consolidaram como alternativas essenciais, principalmente em áreas onde o acesso aos grandes bancos é limitado. Elas passaram a atuar como parceiras dos produtores rurais, oferecendo crédito sob condições mais adequadas à realidade do campo e reforçando a confiança entre cooperados e cooperativas.
Com o aumento dos pedidos de recuperação judicial por produtores e empresas do setor, o legislador modificou a Lei de Recuperação e Falência (LFR) por meio da Lei nº 14.112/2020, incluindo o inciso XIII no artigo 6º. Esse dispositivo prevê que os contratos e obrigações resultantes de atos cooperativos entre cooperativas e seus cooperados — conforme o artigo 79 da Lei nº 5.764/71 — não estão sujeitos à recuperação judicial.
Contudo, mesmo com essa previsão legal, o Judiciário tem exigido a análise específica de cada situação, observando se a operação realmente se enquadra como ato cooperativo.
O artigo 79 da Lei nº 5.764/71 define os atos cooperativos como aqueles realizados entre cooperativa e cooperado (ou entre cooperativas associadas) com o objetivo de cumprir as finalidades sociais. Assim, apenas operações entre cooperativa e seu cooperado são consideradas extraconcursais. Quando o crédito é concedido a alguém que não é cooperado, ele perde esse caráter e passa a se submeter à recuperação judicial.
A discussão se intensifica nos casos em que o crédito é concedido a um cooperado em recuperação judicial, principalmente quando a operação se assemelha a um contrato bancário comum.
O parágrafo único do artigo 79 da Lei nº 5.764/71 afirma que o ato cooperativo não é uma operação de mercado nem se confunde com contrato de compra e venda. Já a Lei Complementar nº 130/2009 prevê que as cooperativas de crédito estão sujeitas à regulamentação do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, assim como as demais instituições financeiras.
Essa dualidade gera interpretações divergentes nos tribunais.
Jurisprudência: divergência entre decisões
Alguns tribunais, como o TJ-SP, entendem que as cooperativas de crédito realizam operações financeiras semelhantes às dos bancos e, portanto, os créditos por elas concedidos devem se submeter à recuperação judicial, como exposto no acórdão 2105754-28.2022.8.26.0000.
Em contrapartida, outras decisões do mesmo tribunal, como a do acórdão 2324622-36.2023.8.26.0000, defendem que a relação entre cooperado e cooperativa se baseia no princípio da mutualidade e não tem natureza empresarial ou lucrativa. Nessas decisões, prevalece o entendimento de que o crédito concedido ao cooperado é um ato cooperativo típico, que não se confunde com operação de mercado e, por isso, não deve se sujeitar à recuperação judicial.
Além disso, o STJ, em julgamento de matéria tributária (REsp nº 1951158/CE), já reconheceu que a concessão de crédito aos cooperados integra os atos cooperativos típicos, abrangendo desde a captação de recursos até a concessão de empréstimos e aplicações financeiras.
No entanto, como essa decisão foi tomada em contexto tributário, ainda não há consenso sobre a sua aplicação à matéria falimentar.